Bem vindos a minha tentativa de mostrar a qualidade da melhor autora de todos os tempos, com minha péssima escrita e argumentação
Elogiar um trabalho da autora Ursula Le Guin beira a redundância,
sendo suas qualidades extremamente bem conhecidas. Este livro marca sua volta
ao universo do ciclo Hainish, iniciado décadas antes, e é uma nova demonstração
das qualidades de seu trabalho.
A perspectiva sobre sci-fi executada é consistente com
obras anteriores. Tecnologias futurísticas nesses livros nunca são exercícios mentais
para imaginar como será o futuro, mas buscam apresentar como esses aspectos
afetam e informam a vida, conflitos e situações dos personagens, e suas
sociedades. Sim existem armas de destruição em massa, uma enorme rede de comunicação
ligando instantaneamente vários planetas e povos, naves capazes de viajar na
velocidade da luz. Mas essas tecnologias importam não como abstrações cientificas,
mas sim conforme seus efeitos psicológicos, como uma sociedade com essas
tecnologias funcionaria, quais seriam a natureza dos conflitos que ela geraria,
como elas permitem várias experiências e situações dos personagens. Todas são
relevantes como meio de entender narrativa, e entender este mundo e seus
habitantes.
O livro é único em relação a obras anteriores da
autora (que eu tenha lido claro), pois apresenta uma atualização de seu
conflito e sociedades para mais diretamente responder questões políticas
atuais. Não mais existem as claras alusões e referências ao ambiente político
da guerra fria (a batalha por supremacia entre Karhide, e Orgoryen em the left
hand of darkness sendo o mais claro exemplo dessa tendência). Neste livro somos
introduzidos a diversas questões paralelas e relevantes no movimento da descolonização
do continente africano, a relação Werel – Youwe claramente evocando a situação
colonizador colonizado. O Ekumen também assume papel moralmente mais ambíguo,
agindo como união de planetas que existe em semelhança com a ONU, que em ocasiões
mitiga conflitos e promove a paz, em outras atua como fator desagregador,
trazendo instabilidade a costumes e práticas das sociedades.
Talvez uma das questões mais feitas na história da
humanidade, é a do que acontece no dia seguinte a uma revolução, e uma das que
autora está mais interessada a resolver. As vozes clamando por injustiças a
mudanças drásticas em como uma sociedade funciona, para resolver seus problemas
e injustiças, são inúmeras, mas existem poucas perspectivas claras sobre como
reconstruir uma sociedade, após destruir suas estruturas de controle, e a ordem
anterior.
Dessa questão decorre um dos maiores conflitos da
obra. Claro, lutar e destruir um governo despótico baseado em exploração e
literal escravidão da população de um planeta, nunca é questionado como causa
injusta, algo que vale a pena se lutar e morrer fazendo. Mas o que substitui
esse governo totalitário são diversas consequências inesperadas, agitação da população,
instabilidade política, guerras civis entre líderes regionais, e a população feminina
tendo seus direitos e autonomia resguardados de forma ainda pior, como pessoas
livres, do que no governo anterior.
O objetivo é mostrar como não se fabrica uma sociedade
com ideais como liberdade, ou uma simples troca do governo como resolução de
todos os problemas. Existem marcas e consequências de um processo colonizatório,
aonde ler e escrever era proibido para escravos e punível com morte, que são
extremamente difíceis de superar. Não existe uma estrutura métodos econômicos e
bens, para promover uma vida, educação ou a infraestrutura minimamente adequada
para a maioria da população. Também tenta apresentar como as diversas questões e
conflitos pelos quais essa sociedade passa se relacionam, a questão racial
relacionada a de gênero, que está junto com a questão educacional dessa população
e as inúmeras tensões sociais. Apenas com o reconhecimento dos inúmeros pontos
de atrito em jogo nessa sociedade, é possível que esta realmente avance e
resolva suas contradições.
Juntando essas ideias em 4 historias separada temos
nossos personagens. Le Guin nunca está contente em simplesmente mostrar vítimas,
opressores e oprimidos, uma luta entre o bem e o mal, sempre buscando observar
e escrever sobre um assunto de pontos e formas diferentes. A estrutura de várias
histórias permitindo a autora apresentar diversas perspectivas, seguimos o
principal líder da revolução, que se desgraçou como político e vive em quase
exilio, senhores de escravo, um soldado que acredita fielmente nas divisões e instituições
de sua sociedade, embaixadores de outros mundos observando a situação, escravos
fugidos, e uma mulher que perdeu tudo com a revolução. Todos trazendo uma ideia, uma visão e forma
de ver o conflito únicas, permitindo entender e ter a experiência do evento histórico
e da vida nessa sociedade de formas diferentes. Não existem claras dicotomias,
mas uma franca abertura e capacidade de debater cada um dos tópicos que o livro
quer explorar, por todos os lados possíveis, a exaustão. Cada personagem
principal trazendo um componente novo. Isso constitui o tipo de políticas
complexa, comentário político meticulosamente apresentado, e fascinante exploração,
que não considero que algo como LOGH, apresenta nessa capacidade.
Indo em conjunto com tais aspectos, existem
espetaculares personagens, com intimas histórias de suas vidas e situações.
Cada uma das 4 narrativas principais sendo estruturada como um romance,
relacionada a necessidade de entender, buscar contato e compreensão junto ao
outro. Le Guin sempre retrata o político como algo extremamente pessoal,
baseado nas visões e questões dos personagens que estamos seguindo. A busca por
relacionamentos superar as barreiras de entendimento, sendo de certa forma as
mesmas que orientam a busca por paz, convivência, e compreensão entre povos. A solução
para cada um dos personagens achar sentido e valor na vida, apesar das
circunstancias ruins que se encontram, são sempre as mesmas, por meio do
contato, uma disposição para entender e abraçar os outros em sua diferença.
Esse é o caminho para aceitação, perdão e felicidade, que a autora advoga em
cada um de seus trabalhos.
Apesar de ausente muito do melodrama e do principal
que fazem os despossuídos o meu livro favorito, four ways to forgiveness é um
excelente livro, que alcança sucesso em tudo que tenta fazer, e não posso
recomendar o bastante.
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