(os lentos passos para viver, e se autoafirmar, em Kekkai Sensen)
Esta vai ser uma estranha e não usual review de Kekkai
Sensen. Numa leitura do anime é fácil defini-lo como uma superficial, mas
extremamente divertida série de ação. Nesse ponto tenho uma de minhas muitas
discordâncias com a recepção critica a obra. Meu ponto se encontra em defender
a própria aleatoriedade em eventos, circunstancias, pouca conexão, e
desenvolvimento narrativo, como uma das melhores qualidades do anime.
Em Kekkai Sensen eu acho um trabalho, que entende o apelo
mais simples de ação. Sabe que a emoção
nessas historias está na adrenalina, excitação quanto a grandes e bombásticos
momentos. Que no fundo estamos aqui pela
energia, explosões a cada segundo, cacofonia e desastre que se consiste desse
mundo, entende que a construção, e como chegamos nesse momento de catarse, nem
sempre é o principal. É algo que se aprofunda em razão da inconstância, no
sentimento infantil, que se movimenta pelo fato de a cada esquina do mundo que
somos introduzidos, ter um super vilão com algum esquema megalomaníaco, numa
cidade que é constantemente destruída, mas nada parece mudar. Aonde qualquer
poder ou habilidade possível, pode se materializar em uns dos seus cantos mais
obscuros. Compreende ao contrário de long running Shonen, que nos prendem em
centenas de capítulos de desenvolvimento, tediosas construção de historia,
detalhamento de mundo e épicas narrativas que agregam muito pouco. Nos poucos
segundos, momentos e cenas de HYPE, está o ponto, e apelo de uma boa obra de
ação.
(A calma e satisfação depois da tempestade)
A forma como os personagens são escritos busca capitalizar
exatamente nisso. Temos um colorido de variadas personalidades, muitos vindo
com suas próprias características, quirks, motivações, aspectos e reações
únicas. Sempre escrevendo tais com uma energia, vigor, um senso de self
awareness que não é o de preguiçosamente transforma-los em piadas, mas uma
capacidade de crer e os representar em completa sinceridade, não importando
quão ridículas as propostas, e situações. Não importa que raramente estes sejam
psicologicamente profundos, isso está longe de significar algo, mas
simplesmente a enorme variedade de poderes, situações, comedia, ação, emoção
que os personagens criam, é um dos aspectos fortes do anime.
Existe uma beleza e intriga numa historia que troca, quase
sem dar muito importância, entre episódios sobre lutas no submundo do boxe, a
busca de uma deusa por amor verdadeiro, que destrói a cidade em seu caminho, o
conflito de vida ou morte contra os vampiros capazes de aniquilar a humanidade.
Kekkai Sensen é aquela criança hiperativa que a cada momento parece estar
tentando se superar, fazer algo novo, aumentar a escala, o absurdo, a cacofonia,
as explosões, de uma forma tão sincera que vc não consegue não amar. Tudo isso
aliado com um senso de estética e estilo, visto em cada momento, cenário, assim
como em alguns dos designs de personagens mais únicos e inesquecíveis da mídia.
(Essa ED é catchy e estilosa as fuck por sinal)
Esses aspectos são impressionantes, e mereciam uma mais
retida analise, mas não é neles que estou interessado. Minha descrição é
verdadeira até aqui das várias iterações de Kekkai Sensen, ambas as temporadas,
e o manga. No entanto com a participação da diretora, Matsumoto Rie na
primeira, a obra alcança outro nível, sendo dela muito possivelmente os
melhores elementos, coerência temática, conflito, e efetiva mensagem. Assim
focarei mais na contribuição dela a obra, buscando detalhar tais pontos.
Se eu fosse resumir Kekkai Sensen em um tópico, seria de uma
intima, e profunda luta contra o desespero. Tal sentimento é pervíssimo na
serie, a sensação de ausência de proposito, de que nada vale a pena, uma visão
da vida e do mundo como um imenso vagão em movimento, o qual somos apenas um
reles espectador, observador. Existe uma vontade de confrontar nossa
impotência, capacidade de entender o mundo, realmente reconhece-lo, muito menos
vir a ser reconhecido. Se nem num caráter individual, ou mesmo interpessoal junto
a nossas pessoas mais próximas, somos capazes de chegar a um mínimo de
compreensão, imagine quanto a um universo caótico, que se nega a qualquer
definição e simples entendimento. O que
uma simples pessoa pode fazer no meio de tudo?
Essa ideia é literalmente incorporada no King of Despair
(esse nome é bom, e edgy demais pra ser traduzido) um espirito da eterna
complacência, e tendência ao desespero da humanidade. Este é assombração do final
de todo homem, cada idealista, obstinado, confiante, trazendo a perspectiva de
que aquilo que aguardava todos eles era o fracasso. Ele observa nas entrelinhas
o desenrolar de todas as eras, e apenas achou erros, insucessos, e
infelicidades no caminho humano.
(Crawling in my skin)
De certa forma contraposta, de outras aliadas a tal visão,
está a sempre presente em trabalhos da diretora ideia da importância da
família, seu lugar único na formação da personalidade, e crescimento (https://heroineproblem.com/2016/04/18/sakura-con-2016-rie-matsumototoshihiro-kawamoto-interview-part-1/).
Nada fala mais sobre tal tópico do que a narrativa original do anime, a
historia dos irmãos Macbeth, Black e White. Em sua infância os irmãos eram
principalmente definidos por seu relacionamento com o outro, como estes se
completavam, tinha características e as qualidades contrarias. Este laço movia
e impulsionava a vida dos dois jovens usualmente de forma positiva, os movendo
a maior empatia, auto conhecimento e compreensão. Na verdade a infância destes
foi normalmente feliz, tinham pais compreensivos que sempre os apoiavam, paz,
tranquilidade, e principalmente podiam contar um com o outro em todos os
momentos.
Mas nisso o mundo, sua casualidade e o absurdo decidiram
reagir, dilacerando a tranquilidade, e segurança do lar familiar. Black numa
tacada só perdeu tudo, seus pais morreram na catástrofe que mudou para sempre
Nova York, White é colocada num estado de semi existência, na qual ela pode
desaparecer a qualquer momento. E ele sozinho, é deixado para entender a
realidade e o ocorrido.
Humanos que imaginam terem perdido tudo, vendo laços
despedaçadas, futuros e perspectivas perdidas, obviamente tendem a abraçar o
desespero. Lembranças de um passado muito amado se tornam dolorosas, tristes
demais, pois referentes a algo para sempre perdido. O próprio amor e afeto que
existiam e eram tudo a um segundo atrás se tornam uma fonte de tormento,
dificuldades, e muita dor. É muito mais fácil se esconder sobre a mascara que
esse fim era simplesmente inevitável, é obvio que tais iriam acabar, é claro
que estas nunca significaram nada e são completamente irrelevantes. Admitir o
peso e importância que o que passou teve na sua vida, é muitas vezes muito pior
do que simplesmente negar, aceitando o fim como inevitável.
Mas na verdade existe uma mentira e contradição implícita,
no fato de Black se tornar o receptáculo do King of Despair. Este finge aceitar
o desespero, a não importância de relacionamentos ou qualquer coisa, mas existe
outra mascara ali, para suas verdadeiras intenções. O fato de estar trabalhando
por um novo apocalipse, extinção da humanidade, são na verdade unicamente
motivadas por medo, a vontade de não vir a perder nada mais. Sua irmã, a pessoa
que ele mais se importa, sempre esteve junto, e o conhecer melhor que ninguém
esta em jogo, sendo a resposta apenas o único meio para salva-la. O que são
milhares de vidas, a humanidade, essa cidade e seus habitantes, em frente a uma
razão de viver, quanto a qual não imagina uma vida sem? A trágica decadência e
espira negativa do personagem é marcada por empatia, sentimentos
compreensíveis, e uma demonstração de talvez aquilo mais belo na humanidade,
completo desapego em face daquele que ama.
(The edgiest, edgelord)
É possível achar eventos semelhantes, remições as mesmas
ideias na jornada de Leonardo Watch, nosso protagonista. Este também é
subitamente tirado do meio familiar e jogado na vida adulta, pela perda de
visão por sua irmã, esta circunstância piorada, pois o ocorrido foi resultado
de sua própria covardia, incapacidade de protege-la. Tal ato, as consequências
dele, o remorso relacionado destroem o personagem, acabando com sua autoestima,
e ideia de eu. A motivação inicial de Leo na verdade é uma mentira, ele não vai
a Hellsallem’s lot para recuperar a visão da irmã, mas sim para fugir dela. Na
cidade este inicia uma vida de autocomiseração, culpa, melancolia preenchendo
seus momentos, uma completa ausência de perspectiva ou proposito o marcando.
Nada que pode vir a acontecer importa, nada nele é relevante, pois todo o resto
eclipsa frente a enorme vergonha, e culpa por sua falha federal.
A insistente definição de Leonardo como um garoto normal
pelo anime, está longe de uma observação de fato, mas é uma declaração
ideológica sobre sua natureza. Ele é o jovem normal definido por seus olhos, na
cidade do extraordinário. O mundo e todos a sua volta estão lotados de magia,
mistério, poder, intriga, estranheza, características inestimáveis, o
contrapondo como ser mundano e desinteressante. A verdadeira ironia em sua
condição é que Leo é capaz de enxergar muito, obtendo os todo poderosos olhos
de Deus, mas é completamente cego e obstinado a não ver seu próprio valor.
As jornadas paralelas, não são objeto de coincidência, mas
permitem entender os desafios ideológicos, e dificuldades que um personagem
traz ao outro. Mas as diferenças de atitude, muitas vezes dizem mais do que
semelhanças entre eventos. Ao invés de se deixar definir pelo passado, medo de
perda, Leo avança e cresce. Ele tem como principal características sua enorme
empatia, desejo de entender e ajudar as pessoas além da medida do possível.
Essa postura o permite novas experiências, a de finalmente encontrar Libra.
Longe de querer avaliar Libra como organização, acho
importante a definir em termos do Ethos que ela ganha na série. Eles são
esperança, um grupo de pessoas lutando por uma causa perdida, olhando e
supervisionando a cidade que eles não tem qualquer condição de olhar e
proteger. Cada membro é caracterizado pela capacidade de sempre fazer seu
melhor, enfrentar as dificuldades, na tarefa ingrata de ajudar a cidade. A
abertura de Leo ao mundo, e a realidade além dele o permitem conhecer sua nova
família, os indivíduos que o deram esperança e a capacidade de enxergar um
futuro.
E nesse ponto vou precisar falar em enorme detalhe do
bombástico episodio, que encerra e conclui magistralmente cada ponto levantado
na obra. A negação da realidade, e de até de si mesmo do King of Despair atinge
seu ápice, jogando o mundo inteiro numa cruel escolha. As opções são claras ao
se entender a ideologia deste. Ou finalmente a humanidade seria capaz de
rejeita-lo, ocasionando sua morte assim como a de Black, encerrando uma
existência que ele mesmo concordaria inútil, e sem valor. Ou este traria um cataclismo,
a repetição do fenômeno que causou o violento choque entre a humanidade e o
lado paranormal, só que dessa vez em escala planetária. Finalmente mostrando
que a civilização que os homens passaram milênios construindo, toda a
obstinação, confiança, ideais destes não tem qualquer valor ou significado, e
podem ser facilmente reduzidos a nada. A dúvida existencial que o personagem
levanta será aplicada em escala universal.
Leonardo é desafiado exatamente aonde este é mais sensível,
o senso de impotência e falta de merecimento. A dúvida que o percorre é se este
merece intervir, tem a capacidade de fazer qualquer coisa, alguém vulnerável e
normal como ele. Mas nisso ele encontra confirmação, cada uma das pessoas da
Libra está ali, esperando, mostrando confiança nele. Laços se mostrando a
enorme fonte de força, capacidade de seguir em frente.
Nesses termos se dá o confronto entre Leo e o King of
Despair. Este reafirmas seus ideais mesmo nesse momento, o mundo está cercado
de confiança, pessoas com obstinação e desejo de pará-lo, mas tais são inúteis,
urgindo Leo a mata-lo. Mas a situação, vida nunca são tão simples a ponto de
apresentar apenas essas duas escolhas. O personagem passou a temporada inteira
tentando entender o mundo, seus habitantes, circunstancias, problemas
conflitos, para ser realmente aceitável, que essas existências não significam
nada. Existem tantas pessoas, nenhuma delas é um mero figurante, cada uma
repleta de seus próprios conflitos, circunstancias problemas, ideologias, que
simplesmente abstrair um único ideal que os resumiria é absurdo. A negação do
anime ao desespero parte não de um lugar de recusa a sua existência, pois a
vida esta lotada de conflitos inúteis, desejos não realizados, perdas que
parecem reduzir qualquer proposito ou razão, ao nada. Mas de afirmar, isso é o
viver, que o mero fato de tentar está errado, que qualquer crença é uma ilusão.
Que não faria qualquer diferença, tanto a morte do mundo, quanto a de até uma
única pessoa.
Leo na verdade assume um compromisso com essa visão, apesar
de não ter capacidade de responder qual o significado e proposito, este deseja
continuar vivendo, criando relações, sentido, para um dia realmente apresentar
uma resposta melhor em face dessas questões. Kekkai Sensen acha sua tese não
numa simples resposta mas numa atitude, método de encarar a vida, enxerga-la, e
ainda se motivar, que considero particularmente fascinante.
(Eyes open for the future)
Indo nesse mesmo ponto, encontramos a resolução para Black.
Seus desejos contraditórios são expostos, apesar de se dizer fiel ao King of
Despair, este é incapaz de imita-lo havendo no fundo um desejo de viver,
existir impossível de suprimir. Também acontece o derradeiro dialogo entre os
irmãos Macbeth nesse instante, aonde Black é confrontado em suas vontades. Este
dizia estar apenas agindo, buscando salvar sua irmã, e que esse era o único
método, mas na verdade ela é apenas um desculpa. White não deseja essa
realidade, não quer uma vida de seu irmão preso ao passado, a ela. Na verdade
ele a esta usando como justificativa, razão para agir, é ok desistir,
considerar que o mundo não tem valor, nada do que eu fiz esta errado, quando na
verdade tal perspectiva apenas causa angustia aos dois.
Em tais termos ocorre a reconciliação dos irmãos, ao reconhecer
a vontade e desejo um do outro, abraçar os sentimentos e dor referente a perda
não como uma desculpa para não tentar, mas sim como a fonte de poder, e
capacidade de criar um novo futuro. Black permite a sua irmã escolher seu
destino, e se permite aceitar sua própria existência, o calor confiança e amor
que sentiram por aqueles que se foram sendo exatamente a razão de conseguir
restaurar a barreira que sustenta o mundo. Nesse sentido o personagem abandona
o lar familiar, capaz de existir e se afirmar perante os outros, com as
lembranças daqueles que eram mais importantes que tudo.
Kekkai Sensen no fundo é uma historia sobre achar esperança,
significado em um mundo caótico e desesperado. Busca de qualquer forma
demonstrar que não se deve deixar facilmente definir, que um único fato,
evento, ou circunstancia venha a eclipsar sua personalidade. Ecletismo é a
ideia que Kekkai Sensen vive, e morre por, ao aceitar a confusão, conflito, e
incertezas cercando todos os aspectos da realidade Isso encapsulado na jornada
de nosso protagonista, Leo, buscando entender a realidade e a si mesmo,
progredindo a passos largos ne sentido de aceitar seu valor, em pequenos gestos
como não questionar um elogio ao final do anime. Talvez seja meio presunçoso
dizer, mas realmente concordo a obra, Leo pode ser um desastre, mas ele com
certeza é meu herói.
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