segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Bacurau review


Bacurau é o recém lançado filme dos diretores Kleber Mendonça, e Juliano Dorneles. A obra alcançou grande relevância e apelo tanto entre os críticos quanto no público em geral. Minha opinião sobre o filme cairá num campo mais negativo, pois apesar de sua elogiável ambição, e alguns bons momentos, o filme nunca se encaixa como um todo de forma satisfatória.
Minha analise começa avaliando as bases temáticas, subtexto e significado por trás de sua ideia principal e conflito. Um choque de cultura entre um grupo de europeus e norte-americanos, contra os habitantes da própria Bacurau. Esta questão é simbolicamente representada no confronto entre modernidade, contra tradições.

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(Acharam que eu ia importar pra história?)

A caracterização dos antagonistas norte-americanos é menos importante em relação aos personagens em si (que são péssimos), e mais quanto a algumas de suas características especificas. Eles são estrangeiros, pessoas sem qualquer conexão para com Bacurau, e não dão a menor importância as pessoas que habitam nesse local, os utilizando para mera diversão. Eles são uma clara ameaça ao modo de vida e situação da população, contendo diversas armas de alta tecnologia, drones, satélites, as mais modernas metralhadoras e equipamentos. A confiança e sentimento de invencibilidade dessas pessoas, não parece errôneo no começo.

A resposta dessa pequena população de uma aldeia isolada do sertão nordestino a essa ameaça é bem emblemática. O filme mostra esse povo utilizando a habilidade e conhecimentos que contem, em face dos invasores. Certas escolhas como uma emboscada no museu da cidade, a utilização de carabinas, e armas dos cangaceiros para acabar com os estrangeiros não são coincidência. Esta é uma história sobre um povo orgulhoso de suas tradições e origens, utilizando seu conhecimento e passado únicos, para derrotar um grupo externo que se acha invulnerável. A resistência alcança estrondoso sucesso, os americanos de caçadores se tornam os caçados, e acabam massacrados no clímax do filme.

Vendo os eventos seria simples dizer que a obra se consiste de uma mera negação da modernidade e possibilidade de mudança, fato que não pode ser mais longe da realidade. Os habitantes de Bacurau são tão modernos quanto desejam ser. Eles tem eletricidade, acesso a televisão telefones e celulares. Usam até a internet nas aulas, e realizam uma stream no youtube em um momento do filme.

A inovação que o filme argumenta contra é de outra natureza. Se encontra presente na atitude do prefeito, tentando comprar apoio com drogas e medicamentos que apenas fariam mal a população, ou trazendo comida industrializada vencida. Também aparece no convencimento dos estrangeiros, que se acham invencíveis por terem equipamentos modernos e armas. O novo forçado de cima para baixo, sem observar os desejos e vontades da população. Esta é a grande questão que o filme busca advogar contra.

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(Eu ainda não entendo o porque das sementes)

Um assunto diretamente relacionado é a utilização transformativa de gênero, por parte do filme. Uma pradaria com dominância do sol, um enorme sertão árido até aonde a vista alcança. Bandidos, grandes conflitos armados, a ausência de qualquer figura e elemento de autoridade por centenas de quilômetros.  Uma pequena comunidade isolada, aonde o tempo nunca parece passar. Bacurau contem muito dos elementos simbólicos, o visual e estética de um Western. Em alguns instantes dá para quase se enganar, em imaginar xerifes e bandidos trocando tiros em diversos lugares em que se passa essa história.

No entanto este não é um cenário do velho oeste no século passado. O empréstimo de uma camada fina de gênero cinematográfico é bem proposital. Da mesma forma que a comunidade de Bacurau quer afirmar sua identidade, contra uma força exterior que a nega, o filme nega a classificação e modelo de um gênero estrangeiro, o qual forçosamente tenta se encaixar nele. Bacurau é um local completamente diferente, com suas poderosas matronas, bandidos que são na verdade protetores da cidade, preparados para ajudar na hora de perigo. Vive de uma cultura e heranças próprias da época dos cangaceiros, e do primitivo dos povos indígenas. A forma como a aldeia vem a se tornar uma entidade com características, cultura, e vida próprias, muitas vezes contrarias a expectativas que a audiência tem, é o melhor elemento do filme.

Mesmo entendendo a tese de Bacurau, os métodos de abordar o assunto são desastrosos. A simbólica representação da globalização agressiva consiste de sadistas genéricos que começam a rir matando pessoas. Me perdoe a fraqueza, mas os antagonistas desses filmes são horríveis, assim como muitas das cenas os envolvendo. Eles nos presenteiam com grandes discursos sobre porque brasileiros são racialmente inferiores, e não brancos de verdade, assim como cenas de personagens começando a transar depois de matar alguém.
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(Chegou o live action de Tokyo Ghoul)

A crueldade que o filme busca retratar os utilizando nunca funciona. Os vilões são apenas estereótipos de sadismo, rindo e se divertindo maniacamente em meio a morte e destruição. Apesar de alguns tentativas de dar justificações, ou diferentes visões por trás da violência para cada personagem, tais mal registram ou são elaboradas.

O filme comete o maior crime ao tentar retratar atos absurdamente abomináveis cometidos por humanos, o faz por meio de estereótipos sem nenhuma personalidade por trás. Não existe um senso de escuridão ou pavor ao observar tais coisas, pela falta de uma humanidade compartilhada pelos praticantes. Os eventos não se registram em nenhum nível além do desagradável, retratando a escuridão e ódio da raça humana, enquanto ao mesmo tempo se nega a tentar compreende-la.

Não é apenas por causa dos antagonistas, que a dinâmica do conflito central acaba completamente vazia. Ok ele inverte os usuais papeis, agora o suposto tecnologicamente desenvolvido invasor, está sendo aniquilado pelas populações primitivas que despreza. Existe algum proposito por trás dessa inversão?

Na verdade o filme simplesmente reproduz a mesma relação de aniquilação, submissão e poder apenas a retratando com polo invertido. Os forasteiros de Bacurau não são indivíduos para se dialogar ou tentar construir uma relação. Tais são bestas que precisam morrer pela segurança e vida do grupo e civilização existente da região.

Um paralelo histórico é irresistível com Cortez, chegando a América, e a conclusão que os astecas e povos nativos tinham que morrer. O grande futuro e segurança de seu próprio povo estava em jogo. Será que não podemos ter outra relação do que morrer ou matar quanto ao diferente, e pessoas cujos costumes estão além da nossa compreensão? Seriam racistas, sádicos que se divertem matando crianças a melhor retratação de neocolonialismo, e o processo de destruição de tradições e culturas? Não acho que as conclusões e paralelos que estou fazendo são exatamente a intenção. No entanto não consigo considerar o filme uma particularmente instrutiva apresentação de suas ideias.

Meu ponto não se consiste de uma reclamação apenas do caráter primordialmente alegórico da narrativa. Mas sim sobre sua natureza extremamente simplificada, com proposito de criar um ponto não particularmente original ou interessante sobre o assunto.

Mudando completamente de assunto, o método utilizado para contar e estruturar a narrativa em Bacurau simplesmente não funciona. De certa forma o filme consiste de 2 historias com tons praticamente diferentes. Temos o início baseado na mundana recontagem do dia a dia dos habitantes de Bacurau, buscando ressonância emocional de eventos. Já a segunda parte consiste basicamente de uma história de fantasia, focando no absurdo, numa tentativa de deslocar audiência da zona de conforto com a estranheza do ocorrido.

A tentativa de juntar dois estilos tão distintos, e quase contraditórios é diferente e interessante o bastante. No entanto a mudança nunca se torna particularmente significativa. O filme pula arbitrariamente de um estilo para um completamente diferente sem muita razão ou sentido por trás. As duas partes em pouco complementam e informam uma a outra. Apesar das melhores intenções nunca parece emergir um todo coerente.

Um bom método de demonstrar tal situação é contrastar o que o filme parece ser no começo, com o que ele acaba se tornando. Nossa introdução a personagens e mundo nunca pode ser aleatória, esta abre enormes precedentes e expectativas quanto a como o filme vai se desenrolar. No início a situação parece bem clara, estamos acompanhando primordialmente a doutora da vila, matriarca extremamente importante na região, e a neta de uma recém falecida, a qual é nosso ponto de vista no começo.

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(A paz do sono marcou minha experiência)

A partir disso o mínimo para se esperar seria que tais pessoas fossem importantes, existisse razão ou critério em enfatizar sua presença no início. Esperamos arcos de personagens, que elas impactem conflito e sua natureza, tomem decisões que vão realmente moldar a narrativa. Uma pena que tão logo nossos homicidas genéricos são introduzidos, é impossível ter ideia de onde o filme está indo.

Não estou dizendo apenas que o filme não segue estritamente o esperado, a questão é maior que essa. O que está sendo ignorado é a própria natureza de set ups e pay offs, arcos dramáticos e progressão de conflito e narrativa. Na medida que a luta passa a afetar a própria cidade, passamos a seguir dúzias de personagens. A cada momento existe alguém agindo, movendo a história, tomando atitudes que o filme mal se importa em estabelecer. As supostas principais que mencionei acabam como semirrelevantes, pois não cumprem qualquer papel, ou importância no conflito.

Bacurau é um desastre para se seguir pela confusão em relação a personagens, com dúzias de motivações dessas pessoas, assim como de pontos narrativos sendo jogados a cada momento. A incoerência está exatamente porque nunca podemos perceber uma linha logica ou progressão, muito menos exatamente para o que o filme está construindo. Melhor ainda perdemos tempo analisando personagens irrelevantes, histórias que são mal mencionados e não levam a lugar nenhum.

A coisa todo acaba como um espetáculo de violência, aonde é difícil realmente saber o que está acontecendo, ou qual deveria ser o sentimento e impacto de cada cena. O final não foi o cumulo de uma narrativa plenamente estabelecida, que respondeu cada um dos pontos que levantou. Na verdade se consiste de algo mais próximo ao filme decidindo parar em um ponto aleatório, porque o antagonista morreu, e não há ninguém para se matar mais. A única coisa que senti ao chegar nesse ponto foram dúvidas sobre se era só isso.

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(Doutora Domingas protagonizou algumas das melhores partes do filme)

Longe de mim ser contra uma maior valorização do cinema nacional, muito menos contrário a retratação de populações cujo estilo de vida quase nunca aparece na mídia tradicional. Considero ambos objetivos admiráveis que tem meu total apoio. Bacurau apesar de representar uma cidade com personagens potencialmente interessantes, e pessoas com cultura única, não tem uma história e conflito capaz de capitalizar em nada disso. Por isso minha enorme decepção quanto ao resultado.

O verdadeiro ponto é: o que falta ao cinema brasileiro são mais filmes da Marvel mesmo.


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